12 de março de 2010

Há os heróis de todos, os de alguns e os que são só nossos

Estes são os meus heróis de ontem, de hoje e sempre. À sua maneira, contribuiram para moldar, muito do que sou hoje.
Contribuiram muito, mais do que com o seu ADN, pois nem meus pais, conseguiram superá-los, bem pelo contrário, mostraram-me a diferença que separa o comum, do extraordinário.
Mais do que avós maternos, foram os meus mestres na difícil arte de saber viver, mesmo quando o mundo parece fazer o possível e o impossível, para nos triturar.
Esta já é a terceira tentativa para começar a falar deles e apesar dela ter morrido há 6 anos e ele há mais de 10, hoje, a sua falta, é tão sentida, como no dia em que partiram.
Preparada e equipada com uma caixa de lenços, talvez seja desta, que consiga encontrar as teclas com as letras certas e conseguir vencer, uns olhos que teimam virar rio.
Será uma breve introdução, pois é um assunto demasiado grande e valioso, para poder ser formatado, em tamanho de post.
Margarida era a irmã mais velha de 9 irmãs e de um irmão que teve poucos meses de vida. Das suas irmãs apenas conheci 5, das outras, sei que duas gémeas morreram, com diferença de dias, aos 15 anos com escarlatina e outra com a chamada gripe espanhola.
O maior desgosto de Margarida, era o de não ter ido à escola, apesar das suas irmãs o terem feito, ela como filha mais velha, teve que ficar em casa para ajudar, num sítio, onde as fraldas, não descartáveis, nunca desapareciam.
Já mais velha, as coisas não melhoraram, o seu pai, por causa de uma pneumonia, morreu cedo, na casa dos 40, muito por culpa do seu trabalho, mas isso será outra história.
Casou com Manuel que teve a sorte de frequentar a escola primária, mas que aos 11 anos começou a trabalhar, cedo tinha ficado orfão, de pai e mãe, motivo pelo qual, foi educado por um irmão mais velho.
Talvez aqui, depois do seu casamento, se esperasse que tudo ia melhorar, engano completo, a mãe teve um AVC e ela novamente, ficou com a responsabilidade das irmãs e de uma mãe acamada.
É aqui que se nota a importância que teve o meu segundo herói, Manuel que passou a ter 3 empregos, um, onde entrava às 5 horas da manhã, outro, ao final da tarde e mais um, à noite. Ele ajudou a criar e a educar, as 5 irmãs de Margarida, até elas casarem e por elas, sempre foi considerado como um pai.
Duas pessoas que apesar de muitas dificuldades, lá iam conseguindo governar uma casa, onde viviam 9 pessoas, porque, no entretanto, nasceu a minha mãe.
Para complicar, também viveram a época dos racionamentos, da 2ª Guerra Mundial.
Se o meu avô trabalhava muito, pode-se só imaginar, o trabalho que havia em casa.
Apesar de não saber ler nem escrever, Margarida orgulhava-se de saber assinar o seu nome completo e do seu curso de corte e costura. Dona de casa exímia e perfeita, sempre me espantou, como é que alguém sem livro de receitas ou balanças, conseguia ser uma cozinheira de "mão cheia" e de como sempre conseguiu autênticos milagres, quando do pouco, fazia crescer para muito. (alguns desses segredos, tive a sorte de aprender)
Acho que eram, o par ideal em qualquer economia, ele tentava aumentar as receitas e ela tentava cortar nas despesas.
Quem os conheceu e mais tarde por mim confirmado, nunca ninguém, os viu zangados, nem eram apologistas, de discussões, palavras de queixume ou actos de resignação, só soube em adulta que também eles tiveram os seus problemas conjugais, mas se os tiveram, sempre os souberam resolver em privado.
O trabalho de Margarida era infindável, desde a comida até ao corte e costura, de todo o vestuário dos residentes. Os vestidos, estavam constantemente a ser alargados, apertados ou transformados. As fazendas dos casacos, quando já mostravam sinais de desgaste, eram viradas e a magia de uma nova face, era uma alegria para a futura locatária.
Hei-de voltar a falar deles, pois há muita coisa a acrescentar, mas para finalizar esta introdução, penso que à sua maneira, foram uns vencedores, o meu avô, antes de falecer, conseguiu comprar a última casa onde viviam e ainda conseguiu adquirir, o seu tão desejado automóvel, novinho em folha.
É certo que quando o meu avô faleceu aos 83 anos, Margarida nunca mais foi a mesma e 10 anos depois, acamou nos seus últimos 5 meses de vida. Perto de chegar aos 94 anos e completamente lúcida, pediu a fotografia de Manuel, beijou-a e ficou com ela nessa noite, morreu às primeiras horas da madrugada e, nesse dia, o mundo ficou muito mais pobre, pelo menos para mim.
E hoje, fico por aqui, antes que à conta da saudade, apanhe uma desidratação aguda ;-)

3 comentários:

  1. Este teu texto merece muito mais do que um simples comentário.
    Uma homenagem linda e comovente de pessoas extraordinárias, que viveram numa época com dificuldades impensáveis para nós.
    Só conheci uma avó, a paterna e infelizmente só gozei da sua companhia até aos 14 anos e esporadicamente pois vivia distante, geograficamente falando.
    Ela tem uma história incrível de vencedora, e deste-me um ideia para a homenagear um dia também. Só espero ter um pouco da arte com que hoje escreveste aqui.
    Um beijinho e bom fim de semana.

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  2. Que lindo, e nem consigo imaginar o que passaram, as vezes ponho-me a pensar o que os nossos avos e pais passaram e agradeco cada minuto da minha vida e paro logo de reclamar e pensar e se ... se se...
    bjinhos

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  3. Olá Isa!

    O tema do texto - para si tocante, repleto de memórias e significado - está lindamente escrito, numa forma de redigir que encanta, e se lê a correr - como quem bebe água fresca num dia de verão.
    Gostei muito do tema aqui trazido(também tenho gratas memórias dos meus avós),assim como a forma como o apresentou - num magnífico Português.

    Um abraço, e bom fim de semana.
    Vitor

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